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  • Foto do escritorTiago Silva

A Palmada


Se “a palmada” não é ”o instrumento” com que os bons pais mais educam, ela não é - sem dúvida - aquilo que os transforma em maus pais


Das muitas vezes em que estou com pais a conversar acerca dos seus filhos é frequente que - a meio duma conversa, e entre o medroso e o envergonhado - uma mãe me pergunte: “E... a palmada?…”. É claro que a forma pausada como essa questão acaba por me ser colocada diz bem da delicadeza com que os pais interpretam os castigos físicos. Na verdade, estamos - felizmente! - já muito distantes dum mundo que os banalizava duma forma absurda, como se as crianças sem eles não aprendessem e não fossem, sequer, educáveis. Mas, por vezes, pergunto-me se não poderemos ter caído numa “zona de penumbra” em relação à “palmada”. Movidos pelos pudor de a considerarmos ora como um retrocesso educativo, ora como um maltrato ou uma ofensa à integridade física, com todo um conjunto de observações que qualquer uma dessas categorias acaba por trazer consigo. Com a certeza de que uma palmada episódica não é nem uma sova nem “uns bons pares de tabefes”.


Sejamos razoáveis: todos os pais sensatos reconhecem, com absoluta convicção, que ninguém educa “ao estalo”. Ou seja, não utilizam “a palmada” como “o instrumento” de eleição com que se educa uma criança. Por mais que todos os pais não deixem de reconhecer que os seus filhos, sobretudo quando o cansaço dos mais crescidos se conjuga com períodos de imensa “electricidade” da criançada, os levam “ao limite”. Isto é, mesmo quando os filhos “testam”, vezes sem conta, ao longo do seu crescimento, qual é “a linha” que separa a paciência dos pais da sua fúria. Por outras palavras, os pais bondosos não partem para o castigo físico nem duma forma impulsiva nem dum jeito desvairado. Mesmo quando, intimamente, reconhecem que haverá um filho que, pelo modo como parece tornar-se desafiante, estará “a pedi-las”.


A questão que se coloca, a seguir, é se uma palmada, “no devido tempo” (como afirmam tantos pais), será uma agressão física ou, pelo contrário, não representará, todavia através duma dor física, um condicionamento que, à falta de quaisquer outros argumentos, passará a sinalizar uma “linha vermelha” que, no entendimento dos pais, separa aquilo que consideram aceitável no comportamento dos filhos (e tudo o que, demais, consideram inadmissível ou, mesmo, interdito)? E a resposta será: sim, uma palmada representa - reconheço que, por vezes, em desespero de causa - uma forma dos pais afirmarem, claramente, junto de um filho: “Atenção! Isto é uma parede”. Ou seja, que há um conjunto de exigências que os pais entendem, em consciência não transigir, em quaisquer circunstâncias. Logo, se a intenção subjacente for no sentido de proteger um filho, uma palmada, por mais que represente um castigo físico, não se enquadrará, de todo, no âmbito da ofensa à integridade física duma criança. Por mais que os pais reconheçam que “a palmada” se “solta” mais frequentemente quando os filhos são pequeninos ou, até mesmo, em relação a um primeiro filho, quando comparada com as palmadas que um irmão mais novo nunca experimentou. É claro que se pode sempre argumentar que os pais não “ousam” dar uma “palmada” a um adolescente porque se arriscariam a que a sua reacção ficasse “fora de controle” a ponto de pais e filho se envolverem, de seguida, numa enorme briga. Mas a razão fundamental não será bem essa: é verdade que a relação de forças entre um filho pequenino e um dos seus pais é, descaradamente, desigual. Mas é, também, verdade que os nãos “com muitos pontos de exclamação” dos pais talvez sejam mais necessários quando se é mais pequenino; mesmo que um deles possa ser “esclarecido” com uma “palmada”. Seja como for, os pais têm tamanha consciência do quanto uma palmada é um exercício de intimidade (que só se reconhece a quem tem com uma criança uma relação de justiça , de bondade e de amor) e, ao mesmo tempo, um exercício de humilhação (que só mesmo quando entendem não dispor de outros argumentos para sinalizar o que entendem que é “mal” é que a utilizam) que vacilam muito antes de recorrer a ela. Até porque, enquanto alguns dos nossos filhos, depois duma palmada, nos desafiam mais um pouco com um: “Não me doeu!”, dito com uma ligeira aragem de insolência, os pais levam tanto tempo a “digerir” uma palmada que, muitos deles, tal como que vêem nos filhos o seu próprio olhar assustado de crianças (que os levou a assumir que jamais dariam uma palmada a um filho), reconhecem que a palmada que deram lhes terá doído muito mais a si próprios. Aliás, será também por critério de sensatez - e por mais que as palmadas sejam uma inequívoca excepção na educação dos nosso filhos - que “a palmada” do pai será muito menos usada que “a palmada” da mãe.


O que é muito importante que se perceba, quando se discute “a palmada”, é que, sempre que uma criança desafia, de forma continuada, a autoridade dos pais tem a clara noção de que estará a magoá-los. Evidentemente que se ela sentisse que os pais seriam violentos, impulsivos ou desequilibrados ela não os desafiaria. Sentindo-os sensatos, pode ficar muito confuso que, sempre que ela entenda magoá-los, os pais não reajam duma forma directamente proporcional à gravidade do seu acto. Não reagir, fazê-lo duma forma branda ou às prestações, poderá estar tão próximo duma aparente indiferença dos pais em relação a si que essa atitude acabe por ser “confusa”, levando a que todos reajam como se não existisse “Lei”.


Em resumo: palmada, sim ou não? “Nim”. Ou seja, só de forma excepcional e quando se tiverem esgotado todos os outros argumentos que sinalizam a autoridade dos pais. Mas, esclareça-se, “a palmada” (mais em rigor, uma palmada!) não transforma os bons pais em agressores que intimidam, gratuitamente, um filho. Não será senão uma forma de, “no limite”, se sinalizar interditos que os pais entendem não proteger o comportamento dos filhos. Introduz, através duma dor física, uma regra que, em consciência, resulta de actos que, à luz dos seus olhos, os terão magoado, de forma inequívoca. E não é “a regra” da educação dos bons pais. Mas, com todos estes “ses”, “a palmada” não é - sem dúvida - aquilo que os transforma em maus pais.


Adaptado de www.eduardosa.com

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