top of page
  • Foto do escritorTiago Silva

A bela história do escritor, do seu filho autista e dos pássaros



Quando Kenzaburō era uma criança a sua mãe disse-lhe que "com essas orelhas terás que estudar muito para te casares".


Kenzaburó finalmente casou, mas foi só aí que a começou a história.


Aos 23 anos, Kenzaburó venceu com seu pequeno romance Shiiku, o Prémio Akutugawa (em homenagem a Rynosuke Akutugawa, o autor de Rashomon), e foi nessa altura que decidiu que queria ser escritor. Aos 25 anos casou-se com Yukari Itami, que era irmã do cineasta Juzo Itami e amigo de longa data de Kenzaburó.


Mas ninguém escreve o seu próprio destino e em 1963 nasceu seu filho Hikari. O bebé nasce com hidrocefalia severa e os médicos removem uma enorme protuberância do crânio. A cirurgia é crucial e o pequeno Hikari sobrevive com sequelas irreversíveis: ele fica com défice cognitivo, cegueira parcial, epilepsia e autismo.


Naquela época, Kenzaburó faz uma viagem a Hiroshima, ao epicentro do terror. Mas são as pessoas que acabam por ficar com pena dele, e não o contrário. A criança não fala, não comunica, não tem interesse em nada e quase não se move. É uma espécie de "flor bonita" (nas palavras de seus pais). Yukari e Kenzaburō analisam cada gesto. Eles procuram por algo e um dia descobrem que a criança reage um pouco quando ouve os pássaros cantarem.


Eles trazem muitos registos audio de trinados e chilriados dos pássaros de Hiroshima. Neles, o som de um pássaro é ouvido e um locutor diz o nome abaixo. A criança ficou profundamente animada.


Meses depois, em férias, Kenzaburó sai para passear com seu filho. No campo eles ouvem o cantar de um pássaro. Hikari identifica-o como sendo um Frango de Água (rallus aquaticus). O seu pai não consegue acreditar no que está a presenciar. A criança reconheceu a ave graças a uma das gravações e conseguiu articular o nome da ave. É a primeira vez que Hikari comunica verbalmente com o pai. Ele é capaz de reconhecer e imitar qualquer pássaro e todos os dias brinca com seus pais a esse jogo de adivinhação no qual ele é imbatível.


Quando Hikari descobre a música clássica, apaixona-se novamente. Aos 11 anos, ele começa a receber aulas de piano como parte de sua terapia. Falta-lhe coordenação física, toca com muita dificuldade, mas concentra-se ao máximo. Kumiko, a sua professora abnegada, desafia-o a improvisar. A professora pede-lhe para escrever numa partitura o que ele estava a tocar sozinho. O tempo passa e Hikari traz-lhe algo escrito. O professor toca, sorri e imagina que é uma transcrição de Mozart ou Chopin, mas não, é uma composição própria. O jovem silencioso abriu sua alma graças à música.


Ele começa a ser um adulto capaz de se expressar e aprender outros conceitos relacionados à música. O primeiro CD gravado por Hikari compilou 25 peças curtas para piano. Entrou no mercado em 1992 e vendeu 80.000 cópias.



Em todo esse tempo do crescimento de Hikari, Kenzaburó escreveu muito, escreveu sobre Hiroshima, sobre perda e culpa, sobre o futuro, mas especialmente sobre seu filho. Em 1994, Kenzaburō Ōe recebeu o Prémio Nobel da Literatura, em parte, pelo livro escrito em 1964, quando Hikari tinha apenas um ano de idade, chamado Uma pergunta pessoal e onde conta a história de Bird, um professor de inglês que enfrenta o terrível evento do nascimento do seu filho com uma deformidade na cabeça, modificando-lhe a vida para sempre. Pensamos no nome do personagem do romance, Bird (em inglês significa "pássaro") e misteriosamente através do canto dos pássaros, o pequeno e indefeso Hikari conhecia o mundo e as suas maravilhas. Ele foi em frente graças ao esforço e amor de seus pais e da sua própria força.


Num diálogo que tive recentemente com um amigo, citei, de forma negligente e fora do contexto, uma frase do místico Angelus Silesius que diz: " A rosa não tem um propósito, floresce porque floresce " .

Meu amigo, longe da crítica literária e dos livros alemães do século XVII, respondeu: "Como assim, floresce porque floresce? ... Para que a roseira cresça é preciso regá-la e cuidar dela para que nasçam belas flores!"


E não é outra coisa que tenha acontecido nesta história real, de perseverança e dedicação abnegada.


Adaptado de www.lagaceta.com.ar

39 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page