No dia 20 de Outubro comemorou-se o Dia Mundial de Combate ao Bullying. É uma palavra estrangeira que descreve comportamentos agressivos, repetitivos e intencionais, que podem ser de natureza verbal, física, psicológica, sexual e, mais recentemente, digital. Bullying: um fenómeno em que estamos muito à frente.
Maio de 2011: as imagens de uma adolescente de 13 anos a ser violentamente espancada por outras duas junto ao Centro Comercial Colombo, em Benfica, chocaram quem as viu pela brutalidade do bullying. Maio de 2015, casting do programa Ídolos da SIC: recorrendo a um efeito especial, a produção fez crescer as orelhas de um jovem concorrente durante a audição, levando-o a trancar-se em casa por vergonha e medo de ser humilhado na rua.
Em março desse mesmo ano, um soldado de 23 anos enforcou-se no quarto onde dormia na base aérea de Beja: bem suportou a tortura psicológica, os comentários homofóbicos constantes dos colegas, mas não dava mais. Outubro de 2013: um aluno de 15 anos da Escola Secundária Stuart Carvalhais, Sintra, entrou na escola com facas e álcool. Estava farto que lhe chamassem betinho e copinho de leite, farto do desprezo dos outros. Esfaqueou três colegas e uma funcionária.
«Comportamentos destes sempre existiram nas nossas escolas e noutros contextos em que crianças e jovens interagem, e a verdade é que afetam um número significativo de indivíduos em idade escolar», confirma o psicólogo Luís Fernandes, a trabalhar nas áreas da prevenção, combate e intervenção no bullying e cyberbullying (assim chamado porque as agressões ocorrem no ciberespaço).
Os números são tremendos: «Um em cada quatro jovens envolve-se em situações de bullying como vítima, agressor ou ambos os papéis – por exemplo, um aluno de 7.º ano que é vítima de um do 9.º e agride, ele próprio, um colega do 5.º», revela o psicólogo, coautor dos livros Plano Bullying e Diz Não ao Bullying (em parceria com a investigadora Sónia Seixas) e Cyberbullying – Um Guia para Pais e Educadores (com Sónia e Tito de Morais, fundador do site MiúdosSegurosNa.Net).
Outros dados de 2015, divulgados em novembro de 2017 num estudo da UNICEF (o Fundo das Nações Unidas para a Infância), indicam que entre 31 e 40 por cento dos jovens portugueses, dos 11 aos 15 anos, foram intimidados na escola pelo menos uma vez a cada dois meses. «Por vezes, torna-se difícil avaliar se há mais bullying hoje do que em décadas anteriores, ou se o que realmente existe é uma maior atenção dada ao fenómeno», desabafa o especialista na matéria.
Certo é que somos o 15.º país com mais relatos de bullying na Europa e América do Norte, a crer nos relatórios. Proporcionalmente, estamos inclusive à frente dos EUA, palco de três quartos dos tiroteios em escolas registados no mundo nos últimos 25 anos.
Ataques na internet
O drama ganha contornos ainda mais preocupantes quando se percebe que agressões que antes se circunscreviam a espaços físicos, com agressores perfeitamente identificados pelas vítimas e vítimas com um rosto a pesar na consciência dos bullies, extravasaram para o espaço digital. «Também aqui o sofrimento pode fazer estragos para o resto da vida», sublinha Tito de Morais, para quem a internet tanto pode ser usada de forma inspiradora como destruidora.
Uma coisa são as reações frontais. Outra diferente – menos honesta – é aproveitar a ausência de fronteiras do mundo virtual para lançar a bomba ao outro e correr a esconder-se. Sem querer ficamos sujeitos a exposição pública, humilhação, chantagem, exclusão e vergonha, que podem conduzir a estados depressivos e até automutilação ou suicídio, resume Tito de Morais. A devastação emocional que daí resulta é concreta, tão capaz de destruir alguém como na vida real.
E não, não é apenas problema de miúdos, alerta Luís Fernandes, considerando haver ainda muitos mitos em torno do bullying que importa desfazer: «Não acontece só em algumas escolas. Nem é uma mera brincadeira ou uma fase que passará em breve.» Nem sequer afeta exclusivamente os mais novos: muitos adultos sofrem diariamente de bullying às mãos de chefes prepotentes e colegas de trabalho maldosos.
Trata-se de um problema real, da responsabilidade de todos. Sabemos que crescer pressupõe conflitos nas diversas fases do desenvolvimento, mas nunca este tipo de violência.
Adaptado de life.dn.pt
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