top of page
  • Foto do escritorTiago Silva

Explicar o divórcio às crianças não tem de ser um bicho de sete cabeças


«Apaixonaram-se, casaram e… viveram felizes para sempre». Estes finais de histórias infantis, inspirados na vida real (raramente…), nada têm de actual nos dias de hoje.

As pessoas continuam a apaixonar-se, é certo, muitos ainda casam ou vivem em união de facto e muitos, ainda (quero crer), sentem que vivem mesmo felizes. Outros não. Não se apaixonam, embora possam viver juntos ou casar, tantas vezes motivados por outras razões. Porque se engravidou de forma inesperada. Porque a pressão social dita as regras de uma forma ainda rígida. Porque é suposto ser assim.


Noutros casos apaixonam-se e surge o amor… que depois morre aos poucos. Outras vezes morre de repente. Noutras ocasiões nem se sabe muito bem como morre. A verdade é que muitos casais não vivem mesmo felizes para sempre.


A felicidade, mesmo quando existe, tem frequentemente um prazo de validade. E deparamo-nos com relações a termo certo. Contratos que acabam e que não se querem renovados.

Falamos de separações e divórcios, especialmente complexos e geradores de stress quando existem crianças.


No ciclo de vida de uma família, o divórcio é conceptualizado como uma crise não normativa, não esperada, podendo estar associada a maior stress e risco de patologia… ou de crescimento e mudança. Depende, acima de tudo, da capacidade dos vários elementos da família em activar recursos internos e externos, facilitando o processo de adaptação a esta nova realidade e estrutura familiar. Se isto for conseguido com sucesso, ao invés de o divórcio ser sentido como uma perda ou ameaça, poderá ser-lhe atribuído um significado mais construtivo, de desafio e associado a novos objectivos.

Mas por mais que o divórcio possa ser desejado, por um ou ambos os pais, há diversas questões cruciais que se revelam transversais a todos os casais, enquanto pais.

«Quando devemos falar com os filhos?» «O que devemos dizer?» «O que não devemos dizer?» «Como devemos dizê-lo?»


Perguntas que não têm, nem podem ter, uma única resposta, adequada para todas as crianças e famílias. A família é um sistema vivo, com regras e dinâmicas muito próprias. Cada criança, em função da idade, mas também do seu nível de desenvolvimento, maturidade e temperamento, revela idiossincrasias que exigem uma adaptação destas respostas. Em suma, não há uma receita válida para todas as situações.


Existem, no entanto, alguns cuidados que os pais devem ter. Algumas regras básicas que podem facilitar todo o processo.


Explicar o divórcio às crianças não tem mesmo de ser um bicho de sete cabeças.


As FAQ que mais preocupam os pais…


1. Quando devemos falar com os filhos? Em primeiro lugar, a conversa deve ocorrer apenas quando a decisão estiver efetivamente tomada pelos pais. Sabemos que o processo de tomada de decisão sobre a separação/divórcio não é linear, existe ambivalência de sentimentos e, muito frequentemente, avanços e recuos.


Não devem falar com os filhos numa fase de indecisão e dúvida, pois apenas poderá aumentar a ansiedade e sensação de falta de controlo.

Atenção! Muitos pais não falam abertamente com as crianças sobre o assunto, acreditando que elas já sabem, porque já se aperceberam, ou porque ainda são muito novas. Todas as crianças precisam de uma explicação, sempre.


2. Devemos ter esta conversa juntos? Idealmente, sim. Se sentirem que o conseguem fazer com tranquilidade, sem acusações mútuas, procura de culpados ou atribuição de responsabilidades. Caso contrário, é preferível que falem de forma individual.

No entanto, é crucial que a mensagem transmitida por ambos seja coerente. Acordem previamente o que dizer e o que não dizer. Se forem confrontados com uma pergunta inesperada, à qual não sabem o que responder, sejam honestos e digam à criança que precisam pensar, ou falar com o outro progenitor. E que em breve conseguirão ter respostas para as várias questões que forem surgindo.


3. Devemos falar com as várias crianças ao mesmo tempo? Depende da idade e nível de desenvolvimento das várias crianças. Crianças mais novas precisam de explicações mais breves e concretas. Crianças mais velhas ou adolescentes terão, certamente, outro tipo de dúvidas e questões, cujas respostas podem não ser entendidas pelos irmãos mais novos.

Regra de ouro: falar com as várias crianças no mesmo dia, ainda que possa ser em momentos diferentes, para que não se corra o risco de os irmãos falarem entre si antes de os pais terem oportunidade de falar com todos.


4. O que devemos dizer e fazer? Apesar de não haver uma explicação mágica, aqui ficam algumas ideias chave: a) Os pais deixaram de gostar um do outro como namorados; b) Vão continuar a ser pais da criança e serão sempre uma família (apesar de passarem a viver em casas diferentes); c) Podem acontecer algumas mudanças (p. ex., de casa ou escola), mas o mais importante é que a criança vai ser sempre amada e cuidada por ambos; d) A separação/divórcio não é um assunto tabu e podemos falar à vontade; e) Estamos disponíveis para te ouvir e responder às tuas perguntas e dúvidas; f) Podem existir perguntas às quais ainda não sabemos responder, mas assim que soubermos, falamos sobre isso; g) É natural sentir tristeza ou zanga, mas com o tempo e a ajuda de todos estas emoções irão passar; h) Vamos fazer tudo para que estas mudanças na vida da família corram bem; i) Manter a coerência entre aquilo que se diz (comunicação verbal) e não se diz (comunicação não verbal).


5. O que não devemos dizer ou fazer? a) Procurar culpados ou responsáveis pela separação; b) Deixar a criança acreditar que ela própria é culpada (muito frequente em crianças mais novas); c) Dizer que a criança vai passar a ter duas famílias; d) Omitir informação relevante para a criança (p. ex., mudança de casa ou escola); e) Partilhar aspectos da vida conjugal (os pais têm de aprender a separar a conjugalidade da parentalidade!); f) Não dar espaço para a criança colocar questões; g) Fazer falsas promessas.


6. E se eles pedirem para não nos separarmos? E se chorarem? A maior parte das crianças tem a ilusão de reconciliação dos pais, muitas vezes anos após a separação/divórcio. É natural que façam este pedido e que manifestem emoções negativas. É também natural que chorem.

As emoções negativas fazem parte da vida e não têm necessariamente de ser más. Deixem a criança expressar o que sente. Dêem-lhe espaço para chorar, se precisar. Demonstrem apoio, compreensão e empatia.


7. E se nós também chorarmos? Os adultos também choram. Se chorarem neste momento, não inventem que algo entrou para dentro do olho. As crianças percebem!

Admitam que também estão tristes, mas que têm a certeza que vai passar e vão conseguir ultrapassar esta fase. Transmitam sempre expectativas positivas.


8. Estamos a ser egoístas ao pensar apenas em nós? Não. Uma relação não deve ser mantida apenas porque existem filhos. Mais tarde ou mais cedo acaba por não ser possível manter essa situação.

Quando um casal toma a decisão de separar-se, não está apenas a pensar em si, mas também nas crianças, que merecem um ambiente familiar tranquilo, com amor. E não com pais-que-fazem-de-conta-que-são-uma-família-feliz.


Rute Agulhas é psicóloga e terapeuta familiar, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicoterapia e Psicologia da Justiça. Perita na Delegação Sul do INMLCF, é docente e investigadora no ISCTE-IUL, além de membro do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Psicólogos Portugueses. A pedido da autora, a crónica segue as regras do antigo Acordo Ortográfico.


Adaptado de http://life.dn.pt

18 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page